M A N I F E S T O
SOBRE A
PROPOSTA DE REVISÃO DA ESTRUTURA CURRICULAR
Manifesto dos professores de Educação
Visual e Tecnológica ao País
Em defesa da disciplina de Educação
Visual e Tecnológica no 2º Ciclo do Ensino Básico e da sua valorização enquanto
disciplina essencial e estruturante no currículo, pela promoção plena da Educação
Artística e Tecnológica na Educação Básica e por educação integral para todos
A proposta de revisão da estrutura curricular do Ensino
Básico e Secundário apresentada a 12/12/2011 pelo Ministério da Educação e
Ciência (MEC) e que está em discussão pública, configura a eliminação da disciplina de Educação
Visual e Tecnológica (EVT) do elenco curricular do 2º Ciclo do Ensino Básico
(CEB) propondo a sua substituição pelas disciplinas de Educação Visual (EV),
Educação Tecnológica (ET)/Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC),
omitindo-se ainda a designação da área artística e tecnológica do plano
curricular do 2º CEB. Esta proposta, caso seja posta em prática tal como é apresentada,
atinge com grande impacto, o lugar e papel desta
área educativa. Atinge também, e com elevada violência, a estabilidade
socioprofissional dos professores, podendo perspetivar o desemprego para
milhares de professores de EVT.
As consequências educativas desta alteração
representam assim um enorme retrocesso relativamente ao desenvolvimento que a
educação artística e tecnológica, consubstanciadas e consolidadas com a
disciplina de EVT, têm vindo a apresentar nas duas últimas décadas. Representam
também uma perda na qualidade do ensino na sua globalidade e um ataque às
famílias, pois o aumento da dispersão
curricular e a redução de docentes representa um elevado grau de irresponsabilidade, que a concretizar-se, será
potenciadora de situações de complexa gestão do trabalho em sala de aula, dadas
as características específicas em que se desenvolvem as aulas, a prática
educativa da EVT e dos seus pressupostos que se consolidam na ligação destas
duas áreas e não na sua separação.
A revisão curricular é a principal âncora do
sistema de ensino, exige-se por isso um forte acordo político e social de
natureza estratégica, pois aquela requer estabilidade e continuidade nas
políticas. A reforma curricular não pode estar ao sabor de mudanças políticas
conjunturais resultantes dos diferentes ciclos políticos e eleitorais.
A educação
integral para todos, uma das razões de ser da escola pública, exige o
desenvolvimento de uma literacia
artística e literacia tecnológica capaz de promover o desenvolvimento de
todas as potencialidades do ser que habita a criança, ao mesmo tempo que
promove o desenvolvimento das competências necessárias para uma cidadania ativa
e empenhada, desenvolvidas desde sempre nesta articulação de saberes
corporizada da disciplina de EVT. A realização plena destas dimensões
educativas requer uma área educativa/disciplina curricular onde finalidades,
objeto e sobretudo o método, concorram para a sua consecução, como é o caso.
A natureza das situações de aprendizagem e
experiências educativas em Educação Visual e Tecnológica requerem, como
procedimentos fundamentais de ensino, a promoção de situações de natureza
prática, nomeadamente: de expressão
pessoal, práticas criativas, práticas experimentais e laboratoriais, práticas
oficinais e práticas produtivas com transformação de materiais e objetivadas
em produções materializadas fisicamente.
Estas práticas inovadoras não se podem concretizar sem a plena integração
destas duas áreas curriculares em pleno: separadas, perdem sentido, significado
e relevância para os alunos desta faixa etária. O corpo das aprendizagens em
EVT integra também a realização de ações práticas que requerem a operação em segurança de utensílios e
ferramentas de trabalho.
A Educação Visual e Tecnológica, na atual
configuração curricular e modelo de docência apresenta, na sua história
recente, um contributo inquestionável não só para a inclusão e para o combate
ao insucesso escolar pois é um lugar educativo de forte realização pessoal do
aluno, mas também possibilita o desenvolvimento de estratégias educativas inter
e multidisciplinares orientadas para a heterogeneidade dos públicos escolares.
A EVT torna-se, assim, lugar de realização pessoal e social promotor de
aprendizagens significativas e de forte inclusão escolar.
Assim, e pelo exposto, a APEVT e os professores de
Educação Visual e Tecnológica insurgem-se contra esta proposta, apresentando à
sociedade os seguintes motivos:
- Na
proposta do MEC enfatiza-se a posição de defesa da redução da dispersão
curricular. Ora, é para nós claro que a eliminação da disciplina
de EVT e a criação de duas novas disciplinas (EV e ET), juntando-se uma
outra área curricular (TIC) apenas aumenta a dispersão curricular;
- É
incompreensível afirmar-se que o programa da disciplina de EVT se mantém e
apenas são divididos os conteúdos – uns para EV e outros para ET, o que,
para quem conhece a disciplina sabe que não é verdade. A mesma
problemática surge quando se propõe dividir a disciplina e se mantêm
manuais escolares;
- Há um
claro desinvestimento nas áreas de formação artística e tecnológica
sabendo-se que ao longo dos últimos 30 anos a carga horária destas áreas
curriculares tem diminuído drasticamente ao ponto de ser agora uma
proposta que “mata” qualquer desenvolvimento sustentado destes saberes nos
nossos jovens;
- Não são
apresentados quaisquer estudos realizados no nosso país sobre o impacto
desta disciplina nos currículos do 2º CEB, ou mesmo fundamentações que
sustentem a proposta de eliminação da disciplina de EVT e a vantagem da
sua substituição por duas novas disciplinas;
- Esta
proposta configura um desmembramento de uma disciplina de sucesso nas
escolas, integradora dos saberes e que articula o saber e o saber fazer,
tornando as aprendizagens dos alunos significativas e ignora a importância
desta área curricular na escola, da sua ligação à comunidade educativa e
do caráter inovador que a mesma apresenta para os alunos;
- Ignora-se,
portanto, a formação de docentes nesta área curricular, o investimento
nessa formação e mesmo os trabalhos de investigação académica e científica
que nos últimos anos têm sido produzidos nesta área curricular e alguns
ainda a decorrer;
- Vinte
anos após a sua integração no currículo, com a disciplina finalmente
estabilizada com professores do grupo 240, pretender justificar a sua
separação com base na ideia de formações específicas em função das
componentes da disciplina é um esbanjamento e uma depreciação à formação
inicial ministrada pelas Escolas Superiores de Educação durante todos
estes anos, acrescida pelo abandono de recursos físicos, materiais e
humanos investidos durante duas décadas;
- Confunde-se
deliberadamente que o regime de docência - par pedagógico em EVT,
fundamenta-se na base das características práticas e experimentais da
disciplina e não na formação dos professores em função das componentes
estruturantes de EVT, não podendo ser isso considerado “um luxo” mas antes
uma necessidade educativa e uma mais-valia para o sistema, pela natureza
das aprendizagens proporcionadas, essenciais nesta faixa etária (9-11 anos);
- Ao
propor a área de formação ET/TIC com 90 minutos semanais, sem que se
entenda como serão distribuídas as cargas horárias, configura-se um
cenário de desvalorização destas áreas do currículo: não há paralelo de
uma medida destas e das suas repercussões, ignorando o caráter prático e
experimental da ET. Crianças de 9, 10 ou 11 anos com disciplinas
semestrais (que na prática funcionam apenas em 24 aulas, o correspondente
a apenas dois meses de matemática, por exemplo)? Mas, mesmo que seja
anual, com apenas 45 minutos semanais, não será um claro desinvestimento
nesta área curricular? Que abordagens e aprendizagens consolidadas se
podem realizar em apenas 45 minutos semanais? Saberá quem elaborou a
proposta que os conceitos fundamentais e os próprios conteúdos da ET em
nada são semelhantes com as TIC?
- No caso
do 3º CEB, quando se propõe agora como disciplina obrigatória Educação
Visual (com menos um tempo letivo), não existindo sequer a opção da
disciplina de Educação Tecnológica ou outra, não será esta medida um
desinvestimento nestas áreas de formação?
- Poderá
esta proposta ignorar a mais-valia desta área no currículo e aquilo que
permite no desenvolvimento global e integral dos alunos? O programa de EVT
tem pressupostos integradores das matérias de ensino (Estrutura: a
estrutura que se observa, a estrutura que se constrói; Cor: a Cor que se
percepciona, a tinta com que se pinta; Movimento: o Movimento aparente que
se expressa, o movimento real que se produz…);
- A
abordagem da componente tecnológica em contexto de sala de aula exige uma
metodologia em contexto de projecto, pois se assim não for, estamos
perante actividades experimentais das ciências aplicadas ou simples
exercícios de manualidades, o que constituiria um retrocesso na qualidade
de ensino nesta área prejudicando, assim, a formação dos alunos;
- Em algum
momento, aqueles que são de facto os principais visados com esta medida –
os alunos, foram ouvidos e auscultados para que transmitissem a sua
opinião sobre a disciplina e o que achavam da proposta apresentada que
enuncia a sua substituição? Não serão eles os que primeiro deviam ser
ouvidos e afinal acabam por ser os primeiros esquecidos?
Pelas razões apresentadas, defendemos a manutenção da disciplina de EVT no currículo. Pelas
suas virtudes, pelo seu caráter inovador/integrador de aprendizagens, no
sucesso das mesmas junto dos alunos, escolas e comunidade educativa, da sua
força e daquilo que projeta na formação integral dos alunos. A defesa
sustenta-se ainda na obrigação educativa e organizativa da docência da mesma
ser realizada em par pedagógico pelas suas características, pela sua
diversidade e caráter prático e diferenciador das restantes e porque não pode
ser ignorada esta orientação na formação de qualidade a ministrar a todos os
alunos, para uma educação integral, de qualidade e com enfoque naquilo que são
princípios orientadores de uma sociedade inovadora. Não temos uma perspetiva
imobilista, apenas não podemos concordar e aceitar uma proposta que não radica
em pressupostos consistentes, em argumentos fortes e consolidados e, sobretudo,
que ignorem o valor e o papel educativo e social da EVT no desenvolvimento
integral dos alunos nos últimos 20 anos e que queremos continuar a desenvolver.
Pela Sociedade, Pela Escola mas sobretudo: PELOS ALUNOS E UMA EDUCAÇÃO DE
QUALIDADE.
APEVT | Associação Nacional de Professores de
Educação Visual e Tecnológica
Porto,
12 de janeiro de 2012
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