Até os trevos de quatro folhas, cheios de sorte, esticaram a folha de rosto para espreitar aquela pequena caixa de madeira em flor. Era magnífica. As pernas das mesas fraquejaram e os peixes luminosos mergulharam no espanto mais profundo. As maçãs bravo bateram palmas, a trança embutida da cómoda de laca japonesa desmanchou-se e o piano pisou a cauda. A flor de fogo começou a rodar e foi rodando, rodando cada vez mais depressa, numa roda viva de pétalas incandescentes.
A Tangram e a Estatística estavam fascinadas, nunca tinham visto nada assim. Na madeira preta polida da caixinha que rodopiava refletiam-se as labaredas da flor-girândola e minúsculos colibris de lume brando deixavam no ar um rasto de pólen prateado e dourado.
– Uma vez, vi um passarinho verde. – disse a Tangram. – E também já vi passarinhos a bailar, mal acabam de nascer. E um pássaro alfaiate que subia bainhas e descia as escadas. E um pássaro bico-de-lacre, um pássaro de bico fino, um pássaro de bico grosso, um pássaro de olhos em bico e um pássaro com bico d’obra… E até já vi um pássaro que virava o bico ao prego. Mas nunca tinha visto, nunca, um pássaro de fogo… é impressionante, nunca imaginei… Um pássaro que é fogo! Incrível!
– Não sei qual é o espanto! – disse a Hipátia, muito séria. – Há pássaros de fogo assim como há cães-de-água, é simples. Só existe aquilo em que acreditamos. Acreditar é criar mundos, é dar vida às coisas para que a vida acredite em nós.
de A Caixa de Hipátia
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