As crianças não são hiperativas, são mal-educadas
É uma comédia que se acumula no dia-a-dia.
Um sujeito vai ao café ler o jornal, e o café está inundado de crianças que não
respeitam nada, nem os pardalitos e os pombos, e os pais "ai, desculpe,
ele é hiperativo", que é como quem diz "repare, ele não é
mal-educado, ou seja, eu não falhei e não estou a falhar como pai neste preciso
momento porque devia levantar o rabo da cadeira para o meter na ordem, mas a
questão é que isto é uma questão médica, técnica, sabe?, uma questão que está
acima da minha vontade e da vontade do meu menino, olhe, repare como ele aperta
o pescoço àquele pombinho, é mais forte do que ele, está a ver?". E o pior
é que a comédia já chegou aos jornais. Parece que entre 2007 e 2011 disparou o consumo
de medicamentos para a hiperatividade. Parece que os médicos estão preocupados
e os pais apreensivos com o efeito dos remédios na personalidade dos filhos.
Quem diria?
Como é óbvio, existem crianças realmente hiperativas
(que o Altíssimo dê amor e paciência aos pais), mas não me venham com
histórias: este aumento massivo de crianças hiperativas não
resulta de uma epidemia repentina da doença mas da ausência de regras, da
incapacidade que milhares e milhares de pais revelam na hora de impor uma
educação moral aos filhos. Aliás, isto é o reflexo da sociedade que criámos. Se
um pai der uma palmada na mão de um filho num sítio público (digamos, durante
uma birra num café ou supermercado), as pessoas à volta olham para o dito pai
como se ele fosse um leproso. Neste ambiente, é mais fácil dar umas gotinhas de
medicamento do que dar uma palmada, do que fazer cara feia, do que ralhar a
sério, do que pôr de castigo. Não se faz nada disto, não se diz não a
uma criança, porque, ora essa, é feio, é do antigamente, é inconstitucional.
Vivendo neste aquário de rosas e pozinhos
da Sininho, as crianças acabam por se transformar em estafermos insuportáveis,
em Peter Pan amorais sem respeito por ninguém. Levantam a mão aos avós, mas os
pais ficam sentados. E, depois, os pais que recusam educá-los querem que umas
gotinhas resolvam a ausência de uma educação moral. Sim, moral. Eu sei que
palavra moral deixa logo os pedagogos pós-moderninhos de mãos
no ar, ai, ai, que não podemos confrontar as crianças com o mal, mas fiquem lá
com as gotinhas que eu fico com o mal.
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